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Postado em: 03/08/2022 - 08:30 Última atualização: 03/08/2022 - 08:31
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O Tribunal do Júri, a mídia e as redes sociais

Aproveitando que recentemente tivemos uma série de julgamentos de crimes dolosos contra a vida, como o homicídio e a tentativa de homicídio, por exemplo, e que, no programa que participo quinzenalmente, “A Terça do Direito” na Rádio Imbiara, os entrevistadores sempre abordam o assunto e, por fim, aproveitando que em setembro acontecerão mais julgamentos, vou abordar um tema muito interessante, e que causa muita polêmica: o julgamento realizado pela população, o Julgamento Popular, aonde, quem decide se um réu é culpado ou inocente é a própria população, o povo.

Para ser jurado, para compor o Conselho de Sentença, tem que ter conduta ilibada, idoneidade moral, ser pessoa honesta, em síntese.

Recentemente, tivemos um mutirão de julgamentos, mais ou menos 20 júris, contando com vários magistrados de Araxá e Perdizes, promotores e defensores públicos de outras comarcas, além de diversos advogados, militantes na árdua área penal.

Pretendo escrever outras colunas sobre o Tribunal do Júri, mas aqui daremos ênfase à mídia dada aos tribunais atualmente, aos julgamentos nas redes sociais e a todo o entorno midiático que envolve estes julgamentos.

Não só pela complexidade de um julgamento, por toda a exigência técnica e de oratória, mas principalmente pela publicidade que é dada hoje, como nos ensinou Sobral Pinto: “a advocacia não é profissão de covardes”, e eu vou além, o Tribunal do Júri, além de não ser local para covardes, também não é para aventureiros.

Participar de um júri é algo complexo, desde a escolha dos jurados, até a votação dos quesitos, o que explicarei em outras edições.

Da mesma forma, não se pode aproveitar do júri apenas para fama, para uma melhor fotografia, para um melhor ângulo ou apenas para angariar seguidores no Instagram.

É lógico que muita coisa deve ser gravada pelo próprio advogado, como uma nulidade em plenário, um abandono justificado, um jurado dormindo durante a sessão, um promotor que, ao invés de simplesmente perguntar, inquirir uma testemunha, um réu, acusa durante as perguntas. Mas, antes da melhor fotografia e do melhor vídeo, vida de pessoas, liberdade, memórias, honra, tudo isso é ali julgado.

Muitos júris hoje, principalmente os mais famosos, são transmitidos instantaneamente, como o famoso Júri da Boate Kiss. Será que, com toda a mídia que foi dada, com entrevistas em grandes emissoras de familiares de vítimas poucos dias antes do julgamento, alguém teria dúvida do resultado final, a condenação?

E o caso Nardoni, por mais que pareça estranho, por mais que pairem dúvidas, por mais que para muitos juristas faltaram provas, será que o casal sairia absolvido?

Imagine você, leitor, sendo jurado, e na TV, no jornal, na internet, vê, ouve e lê, sobre o julgamento que você possivelmente participará dias depois. Será que não iria com a opinião formada? Não o atrapalharia na decisão? O jurado não é um juiz concursado, que estudou anos e anos, que se preparou, é, na maioria das vezes, pessoa que conhece muito pouco sobre as leis desse país e que, acabando o julgamento, tem que se preocupar com a labuta do outro dia, trabalhar muito e ganhar pouco. Aliás, muitas vezes um jurado, está ali sentado, mas preocupado com o dia de serviço perdido.

Lembrando que, dos 25 jurados escolhidos, apenas sete são sorteados para compor o Conselho de Sentença.

Meu tema de TCC na pós-graduação em Direito Processual foi “A Falência do Tribunal do Júri”, aonde abordei que, se não fosse cláusula pétrea, se não precisasse de um novo Poder Constituinte, uma nova Constituição Federal, deveria ser julgado por juízes togados, magistrados concursados, que julgariam de uma forma mais técnica, sem influência de qualquer matéria jornalística, pois são preparados para isso.

Apesar da mídia dada atualmente, de transmissões pela internet, das redes sociais em que pessoas buscam alavancar seguidores através de cortes, é extremante importante deixar tudo isso de lado e focar na tese defensiva, na inquirição de testemunhas (perguntas), e nos debates orais entre acusação e defesa.

Uma praxe que tenho é desligar o celular um dia antes, não deixar com que, nada no dia do julgamento retire minha concentração e, só postar algo após o júri ou, somente utilizar o telefone para gravar possível abandono de plenário, quando o advogado sai no meio do julgamento porque algo grave ocorreu, ou gravar alguma nulidade, como jurado dormindo durante a sessão. Se dormiu, não esteve atento ao que foi dito e assim, como estará preparado para julgar?

O que vemos hoje infelizmente são muitos jovens advogados se preocupando com a melhor pose, postando o dia todo em um julgamento e, muitas vezes se perdendo na defesa ou acusação.

Em muitos casos, por conta de toda a mídia que é dada, o advogado se preocupa muito mais com o repórter, com o fotógrafo, com quem está sentando ali cobrindo o julgamento, do que, com a liberdade do réu ou dos réus.

Talvez toda a mídia que é dada aos tribunais do júri tenha atrapalhado em duas coisas: Na própria defesa ou acusação durante os debates; e na própria cabeça de um jurado que, infelizmente, muitas vezes vai com sua opinião já formada, e mesmo que fique ali, horas e horas, dias e dias ouvindo as partes, ao final irá ao embalo das redes sociais.

Em resumo, tudo na vida, não só os tribunais do júri acontecem de outra forma hoje, por conta das redes sociais e de toda a mídia.

Apesar de ser, o momento mais belo do Direito Penal e Constitucional, a cada dia, perde mais sua essência e, sua imparcialidade.

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