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Postado em: 21/11/2023 - 08:19 Última atualização: 21/11/2023
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Concessionária vazia, oficina lotada e “uberização”

Silvio Gonçalves de Souza – economista com pós-graduação em gestão e consultor empresarial

A Fenabrave, associação dos distribuidores de veículos, refez as suas previsões de vendas para o ano de 2023, projetando um crescimento de 5,6% com relação ao ano passado. Segundo a entidade, houve picos de emplacamentos de veículos novos nos meses de julho e agosto, como consequência do plano de incentivo adotado pelo governo federal. No início do ano, a projeção era de uma venda pouco acima de 2,1 milhões de unidades, considerando-se veículos leves e pesados. O número esperado agora é de 2,2 milhões de novos veículos.

A mesma entidade divulgou, em meados de março, que o emplacamento médio de veículos leves ficou abaixo de 2 milhões de unidades nos três últimos anos, ou seja, 40% menor do que em 2014, quanto foram emplacados em torno de 3,3 milhões de unidades. Apesar da revisão otimista da projeção de vendas para esse ano, o desempenho vai continuar longe do registrado naquele ano.

Os juros altos, apesar das duas reduções seguidas na taxa Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom), têm sido um grande entrave nas vendas a prazo de veículos. Estima-se que 70% das vendas sejam na modalidade à vista. Uma prova cabal da elitização da venda de carros novos no Brasil.

Entre os cinco modelos mais emplacados no mês de outubro, aparecem a Fiat Strada (utilitário) em primeiro lugar novamente, O Volkswagen Polo (hatch) em segundo e o Chevrolet Onix (sedã) em quinto. Pensar que esse ranking foi liderado historicamente por modelos básicos, hoje extintos, como o Volkswagen Gol e o Fiat Palio. O Chevrolet Onix (hatch) chegou a liderar por um bom tempo, no entanto desta vez ocupou a terceira posição. Para reforçar esta percepção de que a venda de veículos novos não tem atingido grande parte da população, foi divulgado que os novos emplacamentos foram mais uma vez influenciados pelas locadoras, para a reposição de estoques.

E para reforçar essa constatação de elitização na venda de carros novos, o Chevrolet Tracker (SUV compacto) ocupou a sexta posição, lembrando que é um veículo vendido por um preço acima de cem mil reais.

Apesar do crescimento das vendas, a indústria automobilística brasileira registrou queda de 3,1% na produção em outubro perante o mesmo mês do ano passado. Na comparação com setembro, o recuo foi de 4,4%. Esses dados foram divulgados pela Anfavea, entidade que representa as montadoras, no último dia oito. Esse resultado foi influenciado pela greve, no fim de outubro, nas fábricas paulistas da General Motors (GM) contra demissões anunciadas pela montadora, que acabou recuando da decisão. No acumulado de 2023, a produção de veículos apresenta uma queda de 0,6% desde o início do ano.

Uma realidade totalmente distinta é vivida pelo segmento de motocicletas, que deverá ter um crescimento de 20% com relação ao ano passado. No início do ano, a Fenabrave havia estimado uma evolução de 9%. A própria entidade destaca que o poder aquisitivo da população é um dos fatores determinantes no desempenho das vendas desse meio de transporte.

Se o poder de compra reduzido da população tem provocado efeitos contundentes na venda de veículos novos, por outro lado tem beneficiado o crescimento vigoroso do ramo de prestação de serviços de reparos em veículos usados e seminovos, as conhecidas e tão importantes oficinas mecânicas e similares. Não é preciso recorrer a estatísticas do setor, que devem ser poucas e esparsas, para constatar essa realidade. Basta dar uma volta por aí.

Um outro indicador da queda do poder aquisitivo das pessoas, é a observada precarização do mercado de trabalho. O IBGE divulgou recentemente um extrato da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar) realizada em 2022, que mostra uma substancial elevação do número de trabalhadores que têm como principal ocupação a realização de trabalhos por meio de plataformas digitais, a venda através de plataformas de comércio eletrônico e o trabalho por meio de aplicativos de serviços, incluindo-se os de transporte de pessoas.

O transporte por aplicativo tem crescido e caído nas graças dos usuários. No entanto, o seu crescimento e aquecimento são, em grande parte, consequências das dificuldades que boa parte dos consumidores têm enfrentado na sua gestão orçamentária, não conseguindo programar a troca do seu carro por um modelo novo ou mesmo por um seminovo.

O lado perverso desta nova realidade, mostrado pela pesquisa, é que, além de não contarem com cobertura da seguridade social ou com a proteção da lei no que concerne aos seus direitos trabalhistas, os motoristas de aplicativos enfrentam jornadas de trabalho extensas, trabalhando em média sete horas a mais por mês, com o comprometimento da sua saúde. Isso levará, fatalmente, a um quadro de esgotamento físico e mental antes mesmo de chegarem à idade de aposentadoria, a qual talvez muitos não terão acesso.

 

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