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Postado em: 02/08/2021 - 11:54 Última atualização: 03/08/2021 - 08:17
Por: Felipe Madeira / Natália Fernandes - Portal Imbiara

Quem madruga o SUS ajuda: a realidade dos usuários do sistema em Araxá

Sistema Único de Saúde público se mostra efetivo, mas enquanto a demanda aumenta o serviço se retrai

Claudia Adriana aguardava na porta da Unioeste pouco antes do sol nascer Fotos Felipe Madeira / Natália Fernandes

Nas portas das Unidades Básicas de Saúde em Araxá, ao perguntar para qualquer pessoa que foi atendida ou que espera para receber o atendimento há quanto tempo usa o serviço do Sistema Único de Saúde (SUS), a resposta é quase unânime: “nem me lembro” ou “desde sempre”. Do atendimento primário e acompanhamento de rotina até procedimentos de maior complexidade, a rede pública de saúde da cidade opera por meio do SUS. 

Unisa, localizada no bairro São Geraldo hoje presta a maioria dos atendimentos especializados

A utilização deste sistema nos dias de hoje atende a maior parte da população araxaense. Dados no Portal da Transparência de registro civil referentes ao município apontam que entre no período de janeiro a maio foram registrados 602 nascimentos na cidade. Deste total, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, 384 partos foram realizados através do SUS. Isso quer dizer que pelo menos 60% dos araxaenses nem sequer vão se lembrar do seu primeiro atendimento por este meio.

Esse é o caso do filho de Rayane Serafino, que nasceu através do sistema público. A mãe conta que o atendimento começou na Unioeste, unidade designada para sua região. “Comecei a procurar ele quando eu fiz 37 semanas, porque eu comecei a sofrer antes. Aí fui fazendo acompanhamento com obstetra, que me atendeu super bem”, elogia. 

Rayane Serafino com seu filho de apenas um mês elogia o atendimento

Os serviços prestados pelo sistema e o atendimento se entrelaçam com os serviços da Secretaria de Saúde da cidade. Camila Caixeta, coordenadora de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal, explica como os atendimentos se ramificam. “Se for urgência e emergência a pessoa vai na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Fora isso, o paciente vai consultar lá na atenção primária. Lá nas unidades de Saúde da Família ou unidades que tenham clínico geral”, explica.

Estas unidades da atenção primária foram batizadas como Estratégias de Saúde da Família, que são postos distribuídos por diversos bairros da cidade onde realizam atendimento de menor complexidade. De acordo com Camila Caixeta, são nestes locais que o cidadão pode ter acesso ao primeiro contato com o SUS, seja para acompanhamento de rotina ou consultas. Os pacientes são atendidos por médicos clínicos gerais e técnicos de enfermagem.   

Camila Caixeta explica cada passo do atendimento primário e especializado

Angela de Fátima atua em equipes de atendimento em saúde há cerca de 20 anos. Hoje lotada na ESF - Vila Estância, que fica localizada no bairro Novo Santo Antônio, ela explica que o atendimento acontece de duas formas diferentes nos dois turnos do dia. “A gente tem dois tipos de atendimento. O livre demanda, em que o paciente chega, a vaga está livre e ele já consulta. São 12 atendimentos que o médico faz (na parte da manhã). À tarde é o agente de saúde que marca a consulta. (...). São 12 atendimentos a partir de 13h também”, explica.

São  24 atendimentos que deveriam ser diários, mas por escassez, os médicos da Secretaria de Saúde atendem nas ESFs em regime de rodízio. Segundo Fátima, o clínico geral comparece ao posto cerca de três vezes por semana. O desfalque se deve a necessidade dos serviços na linha de frente no combate ao agravamento da Covid-19.

Atualmente em Araxá,  a Secretaria contabiliza 22 postos de atendimento. Nestas atuam 20 médicos e 116 agentes de saúde. Além disso, todos os postos contam com um enfermeiro, um técnico de enfermagem, um auxiliar de limpeza e um recepcionista. Um projeto rural ainda abrange cinco comunidades dentro das delimitações do município. 

ESF João Ribeiro atende por ordem de chegada na parte da manhã

Com as normas estipuladas para fila de atendimento, por ordem de chegada, Claudia Adriana aguardava na porta da Unioeste pouco antes do sol nascer. Ela explica que costuma chegar por volta das 5h para conseguir o atendimento. “Toda vida é assim, né? Tem que madrugar para poder conseguir. Porque, senão, não tem vaga não”, explica, lembrando do número limite de atendimento realizado no local. 

Claudia Adriana é uma das pacientes que desde sempre utilizaram o serviço. “Particular é muito caro”, disse, descartando a possibilidade. “Ano passado tive que pagar o particular para fazer exame e não acharam o que eu tinha. Aqui ela (médica do atendimento) pediu os exames, fiz uns seis exames e consegui saber que era tireóide”, conta.

Mesmo estando na porta do local, em horário muito cedo e enfrentando o frio das primeiras horas da manhã, Cláudia sequer tinha certeza se seria atendida ou não. A dúvida era proveniente do rodízio médico. Segundo Cláudia, a unidade que abriga 3 ESF’s da cidade já chegou a pregar aviso alertando para o não atendimento devido a falta de médicos.

Claudia Adriana aguarda para saber se vai ser atendida na unidade

Segundo estimativa do Ministério da Saúde, cada equipe de atendimento composta por médico, enfermeiro, técnico e agentes têm a capacidade para cobrir de três mil a quatro mil habitantes. Com o atual número de médicos disponíveis, se todos estivessem em atividade em situação hipotética, pois o atual momento de combate à pandemia exige que os profissionais voltem seu serviço para outra frente, a cidade ainda não teria 100% de cobertura do serviço. Seriam necessários mais seis postos para atender à população no limite, ou mais 15 novas equipes para que o SUS realizasse o atendimento primário com excelência na cidade.

Liliane Valéria Lopes, coordenadora de Atenção Primária da Secretaria de Saúde, explica que o crescimento da cidade e da população é o principal responsável por essa falta de cobertura. Quando uma ESF atinge seu limite de atendimento, o paciente que extrapola a área de cobertura do posto avançado deve procurar as unidades de saúde. “Um dos grandes problemas, tanto para Araxá quanto em nível de Brasil, é a falta do profissional médico, mas não só isso. Para você credenciar uma equipe tem um projeto que não é simples. Ele vai para o Ministério da Saúde, que autoriza a implantação desta equipe”, conta Lopes, que enfatiza a necessidade da contrapartida do estado. 

Liliane e Natália explicam area de cobertura do atendimento primário

Enquanto a cidade cresce e se expande, os postos avançados para atender à população vão se retraindo. Do total de 22, 12 Estratégias não possuem sede própria para atender à população. Desta forma, segundo tabela encaminhada pela prefeitura, estas ESF’s foram incorporadas em unidades de Saúde, deixando os bairros e se instalando em unidades centrais. Assim, o atendimento e trabalho de acompanhamento dos profissionais junto às famílias se torna cada vez mais distante e prédios nos quais um dia atenderam à população, agora permanecem em estado de abandono, como o caso do antigo posto de saúde do bairro São Pedro.

Prédio do antigo posto de saúde do Bairro São Pedro completamente abandonado

Atualmente, as unidades de saúde que abrigam estas estratégias são a Unicentro, Uninordeste, Unioeste e Unisse. Nas dependências destes locais se acumulam o serviço de três ESFs, além dos serviços já designados . Em recente visita a uma delas, a Unioeste, o prefeito Robson Magela percebeu essa demanda e anunciou a recriação da ESF Alvorada, devido a distância para acesso da população deste bairro ao local atual.

Mesmo com equipe médica limitada para atendimento diário, as equipes da linha de frente das ESF’s não permanecem inertes. O atendimento em serviços especializados, como pediatria, obstetrícia, ginecologia e psiquiatria, são realizados em unidades de saúde específicas, mas que são agendadas pelas unidades de atenção primária ou pelos agentes de saúde do município. Camila Caixeta explica ainda que todas as especialidades disponíveis na cidade estão alocadas na Unisa, localizada no Bairro São Geraldo. “Se o paciente precisar de algumas dessas consultas de especialidade, por exemplo, endócrino, cardiologia, oftalmo, vascular, ortopedia, neurologia, urologia, clínico geral, gastro, pneumologia e dermatologia. A gente tem uma central de marcação de consultas, exames e cirurgias aqui na parte de regulação da Secretaria Municipal de Saúde”, conta.

Após atendimento primário o paciente pode ser encaminhado para unidade de saúde

As solicitações de exames, consultas especializadas e cirurgias são encaminhadas para esta central da Secretaria de Saúde, na qual é de competência de um médico regulador. Estes pedidos partem por iniciativa das unidades de atenção primária ou ESF’s. “Esse médico vai olhar todos esses encaminhamentos e ele vai classificar de acordo com a maior prioridade do paciente. Aí, a central de marcação de consultas vai agendar, de acordo com a oferta que a gente oferece dessas especialidades e a classificação do médico regulador e devolve isso para a atenção primária”, explica Caixeta.

É exatamente neste trâmite que o vereador Dirley da Escolinha (Pros) busca maior transparência. Em primeiro momento, o parlamentar chegou a solicitar a criação de um aplicativo como projeto de lei e em seguida por indicação. Segundo Dirley, o usuário deveria ter acesso no andamento de sua solicitação para poder acompanhar o atendimento e os prazos para realização de seus exames por meio do SUS. “Eu mesmo sou testemunha disso. Tenho um exame parado na Secretaria há mais de cinco anos. Hoje, eu ligo lá e eles nem sabem em que pé que está. Então, eu acho que nem vai sair mais. Então isso (o aplicativo) dá uma transparência ao usuário e uma tranquilidade pra ele saber em que situação que está”, explica Dirley. 

Dirley da Escolinha tem pedido de exame parado na secretaria há mais de 5 anos

Estela Dias Correia presenciou esta demora. Ela não é da cidade e veio de Perdizes a Araxá para ser informada que não será necessário realizar cirurgia. Segundo o relato, ela aguardou por dois anos para seu filho receber uma cirurgia de amígdala, mas quando chegou sua vez já não precisava mais. “Durante esse prazo que ficou esperando né? Ela (amigdalite) era muito grande e foi diminuindo”, disse.

Araxá é credenciado como apta a procedimentos de média complexidade, isto é, a rede de saúde pública do município, em questão de atendimentos especializados, recebe pacientes de cidades nas quais se limitam a atendimentos de baixa complexidade, como o caso do filho de Estela. No mesmo sentido, a cidade também envia pacientes a cidades aptas a realizar procedimentos de alta complexidade. Dessa forma, como um fluxo vital ininterrupto e apesar das patologias identificadas, o Sistema Único de Saúde segue na missão de se manter ativo para garantir o direito à vida.