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Postado em: 18/05/2021 - 16:05 Última atualização: 20/05/2021 - 10:34
Por: Felipe Madeira / Natália Fernandes - Portal Imbiara

Dinheiro no Lixo: descaso com a coleta seletiva gerou anos de gastos e limitações ao trabalho digno em Araxá

Após anos de descaso e abandono do poder público no serviço de reciclagem na cidade, o tratamento do lixo tem gerado um problema cada vez maior e mais caro para o município; A herança da administração passada agora se torna um desafio para a nova gestão

Pessoas catam lixo no lixão de Araxá. Fotos: Felipe Madeira/Portal Imbiara

A estagnação por parte do poder público em relação à coleta seletiva tem gerado inúmeros problemas sociais e ambientais para Araxá. O descaso vem desde as administrações passadas quando o serviço, que há quase 10 anos colocou a cidade como referência mundial na destinação de lixo, foi praticamente abandonado. Hoje pode-se verificar a existência de problemas que deveriam ter sido sanados há anos. 

Contrariando leis ambientais e em péssimas condições de trabalho, catadores permanecem operando no que deveria ser o aterro sanitário, mas atualmente se encontra em condição de lixão. As associações não conseguem recolher material reciclável suficiente para sequer sustentarem seus associados, o que limita e descaracteriza sua função. Enquanto isso, o galpão que poderia dar melhores condições de trabalhos ao serviço de extrema relevância ambiental permanece interditado e inoperante.

Condições do aterro são insalubres até mesmo para os funcionários do local que reclamam da quantidade de poeira nesta época do ano

Com a situação irregular, o município firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público. No documento, assinado em 6 de dezembro de 2019, foram levantados 25 pontos que deveriam ser cumpridos em 180 dias. Os tópicos variam de instalação de placas e cercas com proibição do acesso ao pessoal não autorizado, à manutenção e implementação de transparência quanto à pesagem do lixo feita no local.

A falta da coleta seletiva ainda gera um prejuízo aos cofres públicos ou gastos desnecessários. Todo o serviço de coleta e transporte do lixo é pago por tonelada na cidade ao setor privado. Isso quer dizer que o município paga a empresa para transportar o reciclável até o aterro, para em seguida o mesmo ser retirado pelos catadores e revendido aos atravessadores.

A partir do que é coletado no aterro é possivel observar o quão grande é o volume de reciclaveis que chegam ali como destino final 

Em busca de recuperar as atividades, a Câmara Municipal aprovou nesta semana quatro Termos de Colaboração que preveem repasses por meio do poder Executivo às associações que trabalham com reciclagem na cidade. Os repasses são de R$ 166,5 mil para cada uma das organizações aprimorarem sua infraestrutura e normalizarem a coleta. Juntamente com o Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável de Araxá (IPDSA), as organizações também desenvolveram um Plano de Coleta Seletiva que busca regularizar as atividades garantindo a segurança e condições de trabalho ideais.

De acordo com o secretário Municipal de Serviços Urbanos, Ricardo Alexandre da Silva (Kaká), todos esses problemas registrados no aterro deverão ser sanados pela iniciativa privada. Um crédito especial solicitado pela prefeitura foi recentemente aprovado na Câmara Municipal. O valor de pouco mais de R$ 5 milhões deverá servir para contratação da empresa especializada no serviço. “Com esta contratação essa empresa vai cuidar da operação total do aterro sanitário e a gente vai ficar com a fiscalização”, explica Kaká.

O termo assinado pela Prefeitura de Araxá juntamente com o Ministério Público prevê esta regularização do TAC em 45 dias, tanto para o aterro sanitário quanto para o descarte irregular no Distrito Industrial. Kaká explica que a situação no lixão é reversível, já quanto ao descarte irregular é necessário que a população se conscientize.

Segundo servidores municipais do local, cerca de 30 famílias vivem do que pegam no aterro 

A vinda de uma empresa particular designada para soluções do problema de tratamento de dejetos orgânicos pode ser benéfica para o poder público. Mas esta realidade não é a mesma para cerca de 30 famílias de catadores de lixo reciclável que hoje tiram seu sustento no aterro sanitário. Mesmo com as condições de trabalho precárias, em meio a urubus e outros parasitas, debaixo de sol quente e muita poeira ou sob a chuva e na lama, em meio ao lixo no qual nunca se sabe o que vai achar, os catadores locais afirmam ser mais vantajoso permanecer no local do que aderir a uma associação.

Esta vantagem se deve a quantidade de lixo reciclável que chega como destino final ao aterro sanitário da cidade. Um dos catadores do local, que não quis se identificar, conta que consegue tirar ali cerca de um salário por semana, o que seria inviável dentro de uma associação, visto que é preciso dividir o rendimento de lixo reciclado que as entidades conseguem recolher. Ele conta que trabalha com reciclados há 10 anos e que já sofreu perseguição da Guarda Municipal por estar trabalhando em local irregular. “Chegavam aqui e via nós catando, pegavam as coisas da gente, arrastavam e metiam fogo. Quantas e quantas vezes já tivemos que correr pro mato”, conta o catador. 

Os funcionários do local, que também pediram para não ser identificados, contam que algumas pessoas chegam a dormir no aterro.

Quem já esteve nesta situação foi Reilda Maria, ex-presidente e atual tesoureira da Associação Foco Ambiental. Ela explica que participou da estruturação das primeiras associações voltadas para a coleta seletiva que buscavam tirar as pessoas das condições do lixão e dar melhores condições de trabalho. No entanto, com as atuais limitações destas entidades, o trabalho no local adequado se torna pouco atrativo.

Reilda Maria ao lado de um dos caminhões que deveria estar em atividade na coleta seletiva 

“A gente chegou a 75% de material reciclado catado na cidade. Isso tudo deixava de ir pro aterro. Quando ele saiu (administração Jeová Moreira), o primeiro passo foi retirar nossos caminhões que eram cedidos pela prefeitura. Aí, a gente começou a passar uma dificuldade grande”, situa Reilda Maria, explicando o descaso a respeito da administração anterior em relação às demandas da classe. “Voltamos pro aterro e voltou a vida antiga que tínhamos no lixão”, complementa.

Enquanto aterro acumula cada vez mais catadores, galpões da coleta seletiva permanecem fechados e inacessíveis 

Hoje, Araxá possui três associações e uma cooperativa. As três associações estão atualmente instaladas de forma adaptada em torno do antigo galpão da coleta seletiva, situado no Distrito Industrial. Ali também existe um local de descarte irregular. Conhecido como “bota fora”, o local deveria ser designado para descarte de entulho, no entanto, sem fiscalização, acaba servindo para despejo de lixo comum. Reilda Maria conta que as associações inclusive realizam coleta no local.

Quem vem de Uberaba sentido a Araxá consegue ver o local de descarte conhecido como "Bota fora" antes mesmo de ver a cidade 

O sucateamento das entidades voltadas para o serviço ambiental também é vantagem para o que os catadores chamam de “atravessadores” (pessoas que compram os reciclaveis e realizam o transporte até as industrias). Reilda explica que com o enfraquecimento da capacidade de coleta e com os catadores trabalhando de forma fragmentada, a entrega do material para a reciclagem fica pequena. O que torna a vinda de grandes empresas que pagam bem por estes materiais pouco atrativa. “Tem mês que a gente vende oito fardos de papelão. Uma carga completa de papelão são 40, 50 fardos. Quando o atravessador vem cá, ele vende lá a R$ 1,50, R$ 2,50 ou até R$ 3. Pra nós aqui eles vão pagar R$ 0,50, R$ 0,60. Já quando você tem um montante bom, o pessoal da indústria vem buscar”, disse.