bem brasil
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Postado em: 02/02/2021 - 11:02 Última atualização: 02/02/2021 - 15:47
Por: Felipe Madeira – Control.corp

Por visibilidade e respeito, Casa de Bejas realiza primeiro “ball” Araxá

O evento contou com competições em cinco modalidades e júri composto por convidados de Belo Horizonte

Evento. Foto: Felipe Madeira – Control.corp

Roupas provocantes, perucas, cabelos pintados e muita maquiagem. Cores chamativas, muito brilho e muita cor. É impossível passar por uma integrante da cultura ballroom sem notá-la. Ainda mais se a mesma estiver a caminho de um ball (baile). Em contrapartida, com o mesmo vigor no qual os membros dessa comunidade lutam por reconhecimento, conservadores forçam seus pescoços para o outro lado, desviam o olhar, sentem vergonha e talvez até medo. Quando estes dois elementos se cruzam na rua, existem um choque e um embate subjetivo, pois uma das partes jamais gozou da liberdade na qual a outra se deleita.

A cultura ballroom surgiu início nos anos 60, na cidade de Nova York. Allseeone Puzzle, overall mother e cofundadora da casa House of Puzzle de Belo Horizonte explica que esta vertente faz parte da comunidade TLGBQIA+, composta principalmente por pessoas pretas, latinas e periféricas. O segmento surgiu após a norte americana Crystal LaBeija se revoltar em um concurso de beleza drag, devido aos padrões de julgamento dos juízes que premiavam somente candidatas brancas. “A ballroom é um local de quebra de padrões, independente do que você performa, você vai ser acolhida pelo que o você é. Só que estamos falando sobre uma comunidade preta e trans e sobre defender o seu lugar. É necessariamente dividida para entender desses corpxs”, afirma.

Adotando uma postura combativa e de expressão politizada, este movimento conseguiu ir além. Por todo o mundo e também no Brasil foram criadas as chamadas “casas” ou “houses”. Estas possuem a mesma estrutura de uma família tradicional, e atuam como uma, buscando alocar seus integrantes em empregos, promovendo conversas e orientações sobre saúde e aceitação social. Allseeone conta que a ideia é de acolhimento, uma vez que muitas drags e trans eram, e ainda são expulsas de casa e acabavam por morar na rua, sem oportunidade de emprego e vulnerável ao vício e a doenças. Estas casas são constituídas por uma mother, fundadora e responsável, e um father.

Estes dois se prontificam voluntariamente a se responsabilizar e proteger de certa forma seus “filhos”, criando uma linha de comunicação e apoio na busca pelo respeito, aceitação e inserção nos meios sociais e profissionais. “Muitas vezes estes filhos tem mais liberdade de se abrirem conosco do que com a própria família biológica, visto que se identificam mais. Então podemos prestar uma ajuda mais efetiva”, lembra Allseeone.

Foi neste sentido que a jovem Valentina Gabrielle, de apenas 19 anos, e Douglas Bento, de 25, fundaram a primeira casa da região em Araxá. Respectivamente como mother e father da Casa de Bejas, os dois, junto a diversos integrantes, promoveram o seu primeiro “ball”, neste último sábado (30). O evento contou com competições em cinco modalidades, sendo elas “best dressed”, “best make up + mask”, “sex siren”, “passinho/batekoo”, “vogue femme”. “Através deste movimento, muitas pessoas têm uma descoberta de quem elas são e de como elas podem se expressar artisticamente e também levar isso para o seu dia a dia. Muitas pessoas conseguem trabalho, visibilidade e até lidar com problemas emocionais que vêm de dentro de casa através da ballroom. Pra mim foi exatamente isso, por isso quis levar para mais pessoas”, conta Valentina.

Além de Allseeone e Valentina, fizeram parte do corpo de jurados o professor e pesquisador da cultura Funk, Matheuzim de Bejas e a membra da kiki House of Avalanx e membra do capítulo brasileiro da Iconic House of Ninja, Safira Avalanx. “É uma construção para abraçar realmente quem é excluído e quem é oprimido. É sobre a história dessas pessoas”, avalia Safira. Para garantir a segurança dos participantes contra a Covid-19, o evento contou com todas normas exigidas pela prefeitura, bem como exigência de uso da máscara de proteção, capacidade reduzida e disponibilização de álcool em gel.

Durante as apresentações, movimentos bruscos se misturam com figurinos delicados, representando de certa forma a violência sofrida e a busca pelo glamour. Quem comparece, em pouco tempo se deslumbra. A atmosfera de liberdade, aceitação e segurança é tão grande que até mesmo os desavisados chegam a participar das competições. As pessoas não bebem, não fumam e não se distraem. Todas as atenções estão voltadas para quem nos dias comuns são frequentemente jogadas às margens, e que na maioria das vezes não são aceitas em suas famílias, não conseguem empregos e inclusive pagam com a própria vida, por escolher se expressar com liberdade e fora dos padrões já estabelecidos.

Logo se percebe que o que acontece ali é na verdade muito pouco sobre tais roupas extravagantes, movimentos exuberantes ou maquiagens coloridas. É muito mais pelo respeito e pela luta de uma vida digna sem preconceitos. “Quando você começa uma casa numa cidade do interior e faz um evento desse, nós começamos a disseminar a informação por meio da cultura, para que as pessoas sejam menos ignorantes e para buscar melhores condições de vida para os protagonistas deste evento”, finaliza Douglas.