bem brasil
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Postado em: 19/12/2018 - 16:32 Última atualização: 24/12/2018 - 14:52
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Homenagem aos 153 anos de Araxá

Tributo à favorita do Sol e idolatrada por seus filhos.

Por: Eduardo de Ávila - Araxaense, jornalista, advogado e blogüeiro do UAI/Estado de Minas. Cidadão Honorário de Belo Horizonte

Araxá já tinha 90 quando a nossa geração chegava ao mundo. Belo Horizonte, a capital dos mineiros, estava com 60 anos, exatamente a nossa faixa de idade nos dias de hoje. Se BH era sessentona, a favorita do sol se aproximava do centenário.  Em nossa infância e até à véspera da adolescência, ouvíamos histórias e estórias que iam do “Jardim Novo ao Jardim Velho a passear”, conforme registrou Ronan Soares. Aquele footing imaginário para nossa geração se estendia às partidas entre Najá e Ipiranga, até mesmo um pouco de PSD, UDN e PTB.

Foto: Blog Araxá Cidade Maravilhosa - Igreja Matriz de São Domingos

Se parecia ser um tempo tão antigo, não podia pensar que a nossa fase ia ficar assim também muito distante. Só que jamais imaginei o quanto aquele período fora romântico e hoje provoca muita saudade e nostalgia, sempre que nos reunimos numa boa prosa araxaense em qualquer lugar do mundo. Aos que, como eu, moram em Belo Horizonte, temos uma roda mensal ocasiões em que os casos saem com a naturalidade que caracteriza a nossa gente.

Naquela época, a cidade adormecia antes da meia noite e nenhum de nós esperava a mamãe ou papai mandar e já se recolhia ao quarto para dormir, conforme recomendava a propaganda dos cobertores Parahyba. Foi nessa ocasião que chegou a imagem da TV Itacolomy “sempre na liderança, canal 4, Belo Horizonte, Minas Gerais”.

Festejamos numa festa inesquecível os 100 anos de Araxá, com direito a grande desfile, a Wandinha do Domingão representando a dona Beja. Na mesma ocasião, Magali Cunha brilhou no concurso Miss Minas Gerais, só não trazendo a coroa para casa, sabe-se, por razões inconfessáveis do júri. Até no “Mineiros frente a frente”, vitimada por ação similar, nossa cidade não ganhou o título.

Foto: Turismo de Minas - Museu Dona Beja

Nada disso abalou a força e a garra de nossa gente. Se Minas Gerais tem as mulheres mais bonitas do Brasil, entre as mineiras as mais belas estão em Araxá. Duas delas, irmãs, desfilavam de moto pelas ruas da cidade e jogavam tênis na Praça de Esportes do Barreiro. Maria Josephina e Ondina marcaram época.

Essa mesma área de lazer da Hidrominas tem tudo a ver com a nossa geração, tanto pelas águas geladas da “piscinona” quanto pelo milho verde e pamonha comercializados na saída. Os vestiários eram comandados por Zé Maria e Maria José, masculino e feminino. E a cascatinha? Era ponto obrigatório que o progresso e a mineração destruíram.

Nessa ocasião, mais pelo final dos anos 60 e início da década de 70, o Araxá Esportes Clube – nosso Ganso – brilhou no cenário futebolístico mineiro. Campeão do Interior, por anos seguidos, chegou a derrotar time da capital em pleno Mineirão. Quem não se lembra da escalação: Fred; Cláudio, Esmeraldo, Salton e Eduardo; Franklin e Spencer; Paulinho, Aguinaldo, Nato e Geraldino. Já na cidade, a meninada se dividia entre o time do Natal, dirigido pelo Lulu do Correio; o Nacional, sob o comando do Lobo e ainda o time do Pemba e do Zé Adelino.

Nossa gastronomia já se notabilizava e não se resumia ao Restaurante Moquém, pois além dele - que era parada obrigatória da elite araxaense -, já contávamos com o Lemos Lanche (o nosso xodó da terra), o Pizzaiolo, Socral entre outros. No final da “Hora Dançante” do Clube Brasil - posteriormente veio o Clube Araxá - era costume ir saborear o sanduiche no Gaudêncio, sopa no Tátátá, feijão com beiço do Mocréia ou mesmo uma gemada na Cantina Azul. Muitos ainda continuavam a noitada lá pelo Gato Preto.

Durante a semana santa, período em que não se comia carne, acompanhávamos contidos a programação organizada pelo vigário. Entre os eventos, a procissão do encontro, onde os homens saiam da Igreja do Rosário e as mulheres da de São Sebastião, para se unirem próximo à rodoviária antiga e subir até a Matriz.

A fé cristã (imposição e obediência familiar), não impedia boas serenatas para as namoradas. Algumas com aprovação dos pais e outras com bastante resistência do sistema patriarcal. E ainda tinha tempo para uma “pelada” na Banheira seguida de uma ducha no mesmo local. Ou, para quem não desfrutava dessa diversão, a ducha do Barreiro. E tinha um joguinho de futebol no Jardim da Praça da Estação. Um olho na bola e outro no jardineiro que chegava e espantava todos.

Se as festas que estimulavam as paqueras eram as “juninas” dos Colégios Dom Bosco e São Domingos (dos padres e das freiras), ainda tínhamos os bailes sob a animação dos Poligonais, Som Sete, Conjunto do Parreira, do Júlio Fernando e – anualmente – o “Baile da Saudade” de Francisco Petrônio. Enquanto esperava por essas datas, o jardim da Praça Governador Valadares acolhia para o jogo de “amarelinha”, “pic-esconde” e – claro – os namoricos.

Foto: IBGE - Colégio Dom Bosco

O bar Covil – situado dentro do Edifício Gil Dumont - era proibido a muitos de nós, mas as boates Tribune's, Botão e Ponte Aérea tiraram nosso atraso. O Bene’s Club animava a cidade e até organizava festas araxaenses nas capitais estadual e federal.

E o carnaval, quanta saudade! Os salões e o glamour do Grande Hotel, frequentados por magnatas paulistas e cariocas, dava espaço à nossa presença e muitos de nós avançamos sobre as moçoilas dessa gente que só víamos nas revistas. E ainda tínhamos o “chupetão” do Clube Araxá, carnaval de rua e até do Clube União. Fui daqueles que no mesmo carnaval ia a todos estes lugares. Ah! A estrada antiga do Barreiro era o motel que não existia. Tudo sob o olhar discreto de quem passava pelo local.

Em meio a tantas lembranças desse passado rico que tivemos o privilégio de viver, muita coisa salta na memória. Roubar galinha para fazer uma galinhada. Houve até quem roubasse carneiro. Comprar chiclete pra fazer bola, decalque, usar calça boca de sino e as meninas pantalona, tomar ki-suco, não sem antes ter comprado lápis de cor, merendeira e penal nas Livrarias Barreto ou Americana na época do Grupo Escolar.

Ficar atento à Rádio Imbiara, na hora do almoço, quando Vaner Faria apresentava o programa “de alguém para você”. Elas esperando uma música oferecida pelo seu paquera. E as vitrines do Bazar Fonseca? Deixava a meninada aficionada a cada natal.  Já na Casa São Jorge eram as nossas mães quem tinham olhares para as novidades.

E ainda a Banca do Lazinho, onde os jornais do dia chegavam às cinco horas da tarde e alguns até no dia seguinte. Mas ninguém deixava de buscar o seu exemplar. Os pais o jornal da capital, os filhos as revistas em quadrinhos – desde Luluzinha, Bolinha até chegar ao Pato Donald e Tio Patinhas. E já havia quem, como o saudoso Romulo Maneira, levava o “Pasquim” debaixo do braço e dobrado para evitar polêmica com o tradicional conservadorismo da ocasião.

Foto: O Tempo - Cidade de Araxá

Ver filme era nos cines Trianon e Brasil. As comédias do Mazaroppi dividiam com Tarzan, Zorro e clássicos como “Romeu e Julieta” aquelas duas salas com filas enormes para assistir a exibição em preto e branco ou até mesmo em tecnicolor. Bem da nossa idade, o periódico “Correio de Araxá” que registrou o nascimento de muitos entre os sessentões de agora, sob a batuta do olhar clínico do mestre Atanagildo Cortes.

Falei bastante e ainda falta muito mais. Bacão, Levindo, Tenhareia, Solange eram tidos como tipo de rua, muitas vezes marginalizados, mas fizeram parte de nossas vidas. Nem mencionei sobre “A Deliciosa”, vitamina do “Senhor Mucio” -carinhosamente chamado por “elefantinho” (nunca soube a razão) e que era filho do escritor Graciliano Ramos; o sanduiche do “Papão” e muito mais que Araxá nos proporcionou e propiciou.

E as bandas? Do Silvério e do Lalado que faziam a gente andar quarteirões acompanhando seu sinfônico dobrado. É por isso que por onde passamos somos percebidos. A irreverência do araxaense é destaque.

Se era a terra de Dona Beja, agora também – orgulhosamente – a cidade do governador Romeu Zema.