Silvio Gonçalves de Souza – economista com pós-graduação em gestão e consultor empresarial
O futuro presidente da Argentina, Javier Milei, ostentou uma motosserra na sua campanha, para simbolizar os cortes drásticos que ele pretende fazer no governo, além de eliminar subsídios públicos. Um dos seus objetivos, é privatizar empresas e obras estatais. Milei quer também reduzir o número de ministérios de 18 para apenas oito.
Se ele vai conseguir colocar o seu plano em prática é uma outra questão. Ele teve uma expressiva e surpreendente votação para o maior cargo da república argentina, porém carece de uma base parlamentar de sustentação, o que o obrigará a costurar acordos com partidos aliados e da oposição. Para todos os efeitos, o seu estilo truculento e marcante vai provocar uma mudança de mentalidade no país vizinho, que precisa urgentemente de uma guinada na sua economia, marcada por uma inflação acima de 150% ao ano, com a pobreza atingindo 40% da população, reservas cambiais negativas e a total perda de credibilidade e de valor da sua moeda.
O Brasil tem uma situação econômica bem mais favorável, em comparação com a Argentina, porém, também precisa de mudanças estruturais, para melhorar o ambiente econômico, para que as empresas possam investir mais, contratar mais, vender mais e reinvestir em suas atividades. O mercado de trabalho está se recuperando gradativamente, no entanto, a taxa de desemprego ainda está num patamar muito acima do ideal para uma economia se desenvolver. A renda média do trabalhador brasileiro vem se recuperando, também lentamente, e está longe do desempenho de dez anos atrás. Reformas estruturais, como a administrativa e a tributária (em discussão), são fundamentais.
O governo federal tem tentado convencer o mercado de que vai conseguir reduzir o seu alto déficit. A concepção e a aprovação do chamado arcabouço fiscal foram passos importantes nesta missão. Porém, na última quarta-feira, a equipe econômica divulgou, em seu relatório bimestral, que o governo revisou a projeção de déficit primário de 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para 1,7% do PIB, para este ano. Em valores monetários, isso significa uma cifra de R$177,4 bilhões. O arcabouço fiscal prevê que o déficit deveria ser de 1% do PIB, ou seja, algo próximo de R$100 bilhões. Esses números põem mais lenha na fogueira das incertezas quanto ao compromisso e capacidade do governo de zerar o déficit em 2024.
E para reforçar essa visão perdulária que é passada para a opinião pública e, principalmente, para o mercado, a Presidência da República divulgou, na semana passada, a abertura de uma licitação para a compra de enxoval para as residências oficiais do presidente, o Palácio do Alvorada e a Granja do Torto, no valor de R$89 mil. Vale destacar a seguinte regra: alguns dos produtos devem ser fabricados com 100% de algodão egípcio. De acordo com informação obtida pelo portal Uol, o gasto com enxoval durante o mandato de Jair Bolsonaro foi de R$46,6 mil, a valores corrigidos. Diante do grande rombo nas contas públicas, a simples compra de um enxoval não faria qualquer diferença. No entanto, o seu simbolismo é inevitável.
E por falar em reforma tributária, após diversas discussões, ajustes e colocação de exceções, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi devolvida para a Câmara dos Deputados, para uma nova apreciação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acredita que ela será promulgada ainda neste ano pelo Congresso Nacional. Espera-se que o sistema tributário brasileiro seja simplificado, que ocorra o fim das chamadas guerras fiscais entres os estados e até que algumas atividades possam pagar menor impostos. A esperança é a última que morre, diz um velho ditado.
Como aqui no Brasil a voracidade por cobrar impostos é algo estrutural, fomos surpreendidos com a notícia de que seis estados das regiões Sul e Sudeste, excluindo Santa Catarina, devem aumentar as suas alíquotas do ICMS, ainda no restante deste ano. Os governadores destes estados estão receosos com possíveis perdas de arrecadação no futuro, como decorrência da implantação da reforma tributária. Os secretários estaduais de fazenda alegam que a reforma vai reduzir significativamente a autonomia tributária dos estados e municípios.
O Rio Grande do Sul já comunicou o envio de projeto de lei para elevar o ICMS naquele estado de 17% para 19,5%. Há uma expectativa de que Espírito Santo, Paraná e São Paulo adotem o mesmo patamar. Juntando-se a esses seis estados, o governador de Goiás confirmou que o seu governo pretende aumentar a alíquota-padrão do ICMS para 19%. Ele disse que a decisão foi tomada na quarta-feira da semana passada, e ainda não foi enviada à Assembleia Legislativa do Estado.
Voltando a atenção para a motosserra do início do texto, é importante frisar mais uma vez que, apesar do exagero da metáfora, ela simboliza a necessidade do corte de gastos, mordomias, desperdícios, excessos, subsídios e exceções na órbita do setor público. O setor privado está com um peso desigual de responsabilidades e encargos sobre suas costas, seja por meio de uma carga tributária elevadíssima, encargos sociais que não estimulam novas contratações, além de juros elevados, que encarecem a vida de todo mundo. É preciso equilibrar esta balança entre o público e o privado.
No outro lado da metáfora, O algodão egípcio representa a permissividade com as contas públicas, que podem extrapolar tetos e arcabouços, com a conta sendo transferida para as empresas e os cidadãos comuns. E se a conta não fecha, basta aumentar impostos.