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Postado em: 18/12/2023 - 08:39 Última atualização: 18/12/2023
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Vendas animam poucos setores e projetam 2024 difícil

Silvio Gonçalves de Souza – economista com pós-graduação em gestão e consultor empresarial

A inflação vem se desacelerando lenta e gradativamente, enquanto a renda da população cresce marginalmente em consequência da pequena recuperação do nível de emprego. Essa combinação tem contribuído para uma resiliência nas vendas do varejo, mesmo num cenário de altíssimos juros. Entretanto, o bom desempenho nas vendas tem sido restrito aos segmentos sensíveis à renda, diferentemente daqueles que dependem diretamente do crédito.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publica mensalmente dados sobre o desempenho do varejo, que vêm corroborando essa realidade. No mês de setembro, as vendas no chamado varejo ampliado – que inclui veículos, motos, partes e peças, materiais de construção e atacarejo – subiram apenas 0,2% na comparação com agosto. No chamado conceito restrito, que exclui esses segmentos, a alta foi de 0,5%. Esse baixo fôlego do varejo ilustra como os juros altos têm forte influência sobre o consumo, notadamente dos setores sensíveis ao crédito.

Nos segmentos que são diretamente afetados pelas variações na renda, como supermercados, produtos alimentícios e bebidas, o mês de setembro constituiu-se no quarto mês seguido de crescimento. Por outro lado, se a análise for extrapolada para o varejo ampliado, houve mais uma vez uma estabilidade com relação ao trimestre anterior, o que ocorre pela terceira vez consecutiva. O elevado endividamento e a alta inadimplência entre as famílias têm tido um impacto restritivo sobre a demanda por crédito. As vendas de veículos, motos, partes e peças, por exemplo, recuaram 0,9% em setembro. As vendas de materiais de construção caíram 2%.

Em outubro, comparado a setembro, segundo dados do IBGE, as vendas do comércio varejista restrito caíram 0,3%, invertendo a curva de crescimento. Os analistas de mercado projetavam uma expansão de 0,2%. No comércio ampliado, o volume de vendas recuou 0,4%.

Abrindo-se o leque para as atividades que compõem a pesquisa, podem-se observar quedas significativas no segmento de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação, que registrou um decréscimo de 5,7% no mês. O setor de tecidos, vestuário e calçados caiu 1,9%. Até mesmo os segmentos que estão se beneficiando com a melhoria do mercado de trabalho tiveram quedas nas vendas em outubro: hipermercados, supermercados, produtos alimentícios e bebidas decaíram 0,8%, ao passo que as vendas de combustíveis e lubrificantes foram 0,7% menores que no período anterior. No lado oposto, artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria cresceram 1,4%. Estendendo-se a análise para o comércio varejista ampliado, pode-se observar uma inversão positiva de desempenho do segmento de material de construção, que cresceu 2,8%.

O crescimento de uma economia pode ser estimulado pela expansão do consumo das famílias e pelo aumento dos investimentos público e privado. Quando analisamos o primeiro fator, podemos inferir pelos resultados do varejo, que o último trimestre desse ano não trará uma recuperação significativa para as vendas. É sempre importante lembrar que há diversos fatores inibidores, como o alto nível de endividamento e inadimplência das famílias, a taxa de desemprego ainda em patamares elevados, os efeitos nocivos de uma inflação que recua lentamente e, não menos importante, o sentimento de insegurança com o futuro. E podemos acrescentar também o grande endividamento de parte considerável dos varejistas.

A Black Friday, que sempre foi uma grande promotora de vendas para os lojistas, teve um péssimo desempenho neste ano. Os varejistas online esperavam um crescimento de 13% com relação ao ano passado, e tiveram de amargar uma queda de 15% no seu faturamento. Segundo dados da Neo Trust, que é uma empresa especializada na análise de dados do comércio digital, as principais quedas ocorreram nas vendas de telefones celulares, eletroeletrônicos e informática. Diga-se de passagem, bens diretamente dependentes do crédito. O desempenho do varejo físico não ficou longe desta realidade.

Quando se fala da capacidade de promover novos investimentos pela iniciativa privada, esbarra-se em grandes obstáculos, como a altíssima taxa de juros, o alto nível de endividamento por grande parte das empresas, a burocracia e a alta carga tributária que, conforme dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é a segunda maior do mundo. A reforma tributária vai ser promulgada nos próximos dias, no entanto, terá efeitos a longuíssimo prazo.

Pela ótica do investimento estatal, um grande obstáculo é o alto nível de endividamento do setor público, que está próximo de 75% do PIB, que é uma proporção altíssima para uma economia emergente. Algumas projeções feitas por órgãos especializados apontam que o governo destinou no ano passado R$550 bilhões para pagamento dos juros da dívida e que deverá desembolsar R$700 bilhões para esta finalidade em 2023. Diante disso, a capacidade que o governo central tem de fazer investimentos produtivos e arrastar a nossa economia é muito pequena.

Vendas que animam poucos setores, empresas com baixas perspectivas para investir, governo central altamente endividado e tendo de socorrer alguns estados, além de taxas de juros que continuarão elevadas, são fortes indicadores de que o ano novo só será “novo” no calendário.

Silvio Gonçalves de Souza – economista com pós-graduação em gestão e consultor empresarial

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